domingo, 4 de agosto de 2013

Francisco propôs nova postura para a Instituição, menos elitista e voltada aos pobres e necessitados

A visita do papa Francisco ao Brasil e sua participação na Jornada Mundial da Juventude (JMJ), encerrada no dia 28 de julho, são apontadas como um marco na história recente da Igreja Católica. Diversos segmentos da Instituição têm o mesmo ponto de vista: Francisco trouxe uma nova perspectiva de fé.

O discurso do papa, durante a Jornada da Juventude, agradou a vários representantes da Igreja no Ceará FOTO: REUTERS
Religiosos destacam que a visita do papa foi diferente de todas as realizadas no Brasil por outros pontífices. "Percebemos uma carga humanitária demasiadamente forte, com a mensagem de que, se vocês querem ser cristãos, sejam antes de tudo humanos. Ele conseguiu se aproximar verdadeiramente das pessoas, mostrar a importância de olhar para o outro com simpatia, amor e solidariedade", avalia o padre Ermanno Allegri.

Dom José Luiz Gomes de Vasconcelos, bispo auxiliar de Fortaleza e responsável pela Juventude e pastorais sociais da Arquidiocese, esteve no Rio de Janeiro acompanhando a JMJ. Para ele, a visita de Francisco também foi diferente das realizadas por João Paulo II e Bento XVI.

"A dimensão foi muito maior, pois ele veio para a JMJ. Recebemos não só papa Francisco mas a Igreja como um todo. Jovens do mundo todo vieram para cá. Foi impressionante como a juventude correspondeu às expectativas, mostrando alegria e fortalecendo o espírito da Igreja", disse.

Pobres

Um dos momentos mais marcantes da passagem pelo Brasil foi a visita à favela de Varginha, na comunidade de Manguinhos, no Rio. "Ali, ele deixou bem claro que a Igreja deve ser a Igreja dos pobres. Essa declaração veio ao encontro do que já tinha dito em Roma pouco tempo antes, de que, se não for dos pobres, não é Igreja", disse Ermanno, que destacou a vivência de fé demonstrada por Francisco em suas pregações. "Sabemos que há pessoas que não têm respeito ao outro, não têm paz. Ele fez um convite para que elas mudem de vida".

A opinião é compartilhada com o coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Rodrigo Franklin de Sousa. Ele destacou que o papa representa a possibilidade de renovação da Instituição. "A maior aproximação de Francisco com o povo, os pobres e os jovens pode realmente alterar os rumos da Igreja".

Segundo padre Ermanno, que é diretor da agência de notícias Adital, o papa várias vezes foi além dos limites da Igreja. "Ficou bem claro que ele quer dar uma nova orientação à Igreja, de mostrar que ela não deve ficar fechada nela. Num encontro com bispos, ressaltou isso, que eles devem ir às periferias existenciais, ouvir o clamor dos pobres, daqueles que estão colocados à margem".

O papa deu um testemunho de como é ser um pastor, disse dom vasconcelos. "Foi uma fraternidade universal. Não se viu durante esse período no Rio brigas ou desavenças. Ficou a ideia para todos que é possível viver uma fraternidade universal".

Posicionamentos

Em relação a questões abordadas por Francisco, como o homossexualismo, dom Vasconcelos lembra que a Igreja detesta o pecado mas ama o pecador.

"Para nós, a relação sexual fora do casamento é pecaminosa, seja sexual ou homossexual. Já o casamento é indissolúvel. Foi Jesus quem disse que deixar a mulher e se casar novamente é adultério", destacou. Segundo o bispo auxiliar, quando o papa falou em revisão, quis dizer que muitas questões estão previstas no Código de Direito Canônico e os católicos desconhecem. "Rever significa tornar isso mais claro para a população", analisou.

Já em relação ao casamento, o papa Francisco, conforme a interpretação do padre Ermanno, entende que a mensagem foi no sentido de que se deve olhar para as pessoas com olhos humanos e não de maneira uniforme.

"A vida das pessoas é preciosa diante de Deus. Devemos compreendê-las, ter bondade, valorizá-las. Nosso papel é orientá-las, levando em conta que a consciência das pessoas é um espaço que Deus respeita, por isso, o papa disse: ´quem sou eu para julgar´, numa referência aos homossexuais", destacou. Sobre o posicionamento do papa em relação aos carismáticos, padre Ermanno Allegri enfatizou que nenhum setor da Igreja está absolvido, consagrado. "Isso vale não só para carismáticos, mas para todo e qualquer movimento pastoral. A conversão da vida é fundamental".

Jornada

"O Brasil não será mais o mesmo após a visita de Francisco e da JMJ, evento que mobilizou não apenas os católicos mas outros segmentos religiosos", avaliou o assessor da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil para a região Nordeste I, padre Gilson Soares. Para ele, o papa mostrou que os jovens devem ser missionários e que os pastores devemos sair da sacristia e ir ao encontro do povo na periferia.

Em relação às palavras de Francisco ao deixar o País sobre não julgar os homossexuais, padre Gilson lembra que o próprio Jesus disse que não veio para julgar, mas para salvar. "Com isso, acima de tudo está sendo pregado o respeito. A salvação é para todos e não para alguns".

Shalom

O padre da comunidade católica Shalom e responsável pela JMJ no Ceará, Francisco Denys da Costa, considerou que, desde a indicação de Francisco como papa, a Igreja vive momentos de graça. "O Brasil experimentou isso de perto nas suas palavras, atitudes, com o frescor da autenticidade do Evangelho.

Padre Denys entende que Francisco extrapolou sua condição de líder da Igreja Católica. "Ele representa um momento de graça e renovação não só para a Igreja mas para toda a humanidade. Mostrou-se uma liderança autêntica, enchendo a todos de esperança", avaliou.

Para o representante do Shalom, Francisco segue o que pregou Jesus. "A Igreja nos ensina que Jesus não veio ao mundo para julgar e sim para salvar e fazer o bem". Em relação ao reconhecimento dos movimentos carismáticos pelo papa, o padre destaca que "quando não conhecemos alguma coisa, tendemos a não aceitá-la de pronto. Depois, é possível amar".

Falas de Francisco

Banco do vaticano: "Não sei como vai ficar o Instituto de Obras e Religião (IOR), o Banco do Vaticano. Alguns acham melhor que seja um banco, outros que deveria ser um fundo, uma instituição de ajuda. Eu não sei. Confio no trabalho de quem está trabalhando nisso. Não sei como vai terminar isso".

Aborto e casamento gay: "A Igreja já se expressou sobre isso. Eu não queria voltar sobre isso. Não era necessário, como também não falei sobre outros assuntos, sobre o roubo, a mentira. Para isso, a Igreja tem uma doutrina clara".

Carismáticos: "No início dos anos 80, não podia vê-los. Uma vez disse que eles confundem uma celebração musical com uma escola de samba. Eu me arrependi. Eles trilharam um bom caminho. Vejo que fizeram um grande bem à Igreja e são necessários".

Mulheres: "Sobre a ordenação, a Igreja já disse que não. João Paulo II disse com formulação definitiva que essa porta está fechada. Nossa Senhora, Maria, é mais importante que os apóstolos. A mulher na Igreja é mais importante que os padres".

Bento XVI: "É um homem de Deus, de reza. Hoje mora no Vaticano. Um avô sábio. Se tenho alguma dificuldade, não entendo alguma coisa, posso ir até ele. Sobre o vazamento de documentos secretos do Vaticano, me explicou tudo com simplicidade".

Matrimônio: "A Igreja é mãe. Ela cura os feridos. Não se cansa de perdoar. Os divorciados podem fazer a comunhão. Não podem quando estão na segunda união. Esse problema deve ser estudado pela Pastoral Matrimonial. A questão na anulação do casamento deve ser revisada".

OPINIÃO DO ESPECIALISTA

O ex-prisioneiro do Vaticano

Frei Herminio Bezerra de Oliveira

O poético epíteto "prisioneiro do Vaticano" dado ao papa, começou a cair com João XXIII (1958-1962). Com o papa Francisco ele foi finalmente extinto. Há quem não distinga o Vaticano - a milenar estrutura administrativa da Igreja, país desde 1929 - do papa. Este, é apenas um cardeal que, eleito papa, torna-se o chefe da Igreja Católica e do Vaticano, por um mês (João Paulo I), ou por 27 anos (João Paulo II). Trabalhei seis anos em Roma e, ao tratar de assuntos diplomáticos na Secretaria de Estado do Vaticano, eu vi com tristeza que como qualquer país ele adota a lei da reciprocidade: "dente por dente e olho por olho"... princípio não cristão. Uma vez eu disse à Ir. Laura (da Secretaria de Estado): "Reflita e dialogue com a Propaganda Fidei", (dois setores do Vaticano em disputa de poder). Ela respondeu: "Eu não estou aqui para refletir e nem dialogar, mas dar ou não os vistos!". Eu percebi aí o meu grande erro: convidar uma mini-autoridade a refletir. O papa Francisco, desde que foi indicado, já na sua apresentação, recusou a capa púrpura com fios de ouro, que fazia parte do estático protocolo. Foi lindo ver o papa com uma simples batina branca, ao lado de cardeais ostentando luzidias púrpuras. Surpresa maior para a Cúria Romana foi sua decisão de não morar nos aposentos papais, onde o sistema curial aprisiona o papa e lhe dá recortes escolhidos de notícias do dia. Assim, obnubilam a visão do Papa e este conhece só uma realidade fictícia. O papa Francisco mora num quarto do Hotel Santa Marta, dentro do Vaticano, onde moram 40 cardeais, bispos e sacerdotes. Ali se hospedam bispos e padres de passagem por Roma. O papa faz refeições no refeitório comum e pode falar com todos. Na estrutura vetusta e complexa o papa não controla tudo. Há setores e/ou pessoas que resistem. Ali, há coisas que o papa gostaria que acontecessem e não acontecem e vice-versa. Os Dicastérios têm uma certa autonomia. A máquina do Vaticano às vezes age como um "superpoder". Ela não conseguiu excluir o Secretário de Estado de Bento XVI, Cardeal Tarcísio Bertone, mas deportou o Arcebispo Carlo M. Viganò, que de 2009 a 2011 sanou as finanças do Vaticano. Ele controlou empreitas, gastos, fornecedores... e comunicou ao papa esbanjamentos... Mas criou inimigos no reino do Vaticano. Dom Viganò, contra a sua vontade, sofreu o "promoveatur ut amoveatur" (promova-se para ser removido), foi nomeado Núncio Apostólico nos EUA. Um tremendo castigo e prova de que o Vaticano não perdoa, "promove!" Fato provado no livro: "Sua Santidade". O mérito dessa reviravolta na Igreja Católica, deve-se à coragem de Bento XVI, de renunciar contra a vontade da Cúria Romana. Seu gesto mudou a história da Igreja. O papa Francisco achou como morar no Vaticano, mas livre do controle da Cúria Romana. A renúncia de um papa será praxe daqui para frente. O papa Francisco, se um dia sentir que não tem condições de conduzir a Igreja Católica, com certeza renunciará.


FERNANDO MAIA
REPÓRTER   

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